domingo, 11 de julho de 2010

A Holanda de Cruyff é campeã (não, não estou louco)!


por Luciano Melo
*
Tente imaginar quando surgiu a Espanha campeã mundial de 2010. Certamente não foi há um mês, quando teve início a Copa do Mundo, ou ano passado, durante as Eliminatórias européias. Convido a você retroceder no curso da história para entendermos a gênese deste título espanhol.
O Barcelona, campeão europeu e mundial da temporada 2008-09, que derrotou o poderoso Manchester United no estádio Olímpico de Roma contava com Pique, Puyol, Busquets, Xavi, Iniesta e Pedro, ou seja, a formação da base titular campeã na África-2010. Assistir ao Barcelona ou à Espanha atuar é presenciar um sistema de jogo idêntico, que privilegia a posse de bola, a marcação sob pressão e a troca de passe fulminante, envolvente, encaixotando o adversário em seu campo defensivo. Assim o clube catalão encanta o mundo há décadas e carrega uma legião de admiradores do futebol ao redor do planeta.
Este mesmo Barcelona, chamado pelos espanhóis como “uma alegre máquina de guerra”, também foi a base da seleção campeã da Euro-2008 que, segundo Tostão, era melhor time que o atual. Aquele time de Luis Aragónes jogava num 4-3-1-2, com a linha ofensiva formada por Fábregas ( o tal do “1”), Fernando Torres e Villa. A equipe teve o melhor ataque da competição e, a partir de então, credenciou-se como uma das principais favoritas à conquista da Copa na África. Já com o atual Vicente del Bosque, a Espanha perdeu poderio ofensivo (é o campeão mundial de pior ataque de todos os tempos), mas ganhou solidez defensiva. Fábregas foi trocado pelo volante Xavi Alonso e o papel de “amarrar” a defesa com o ataque passou a ser revezado com maestria entre Xavi e Iniesta, como fazem no clube catalão.
Mas foi justamente na “destroca” audaciosa de Alonso por Fábregas na final de hoje que o destino sorriu para a Espanha. O meia do Arsenal encorpou com qualidade o meio de campo e, depois de receber a bola de “Niño” Torres, com um passe açucaradíssimo, deixou Iniesta escrever mais um capítulo na história do futebol. Tostão tinha razão.
Com esta mudança, a prorrogação foi massacrante para a Holanda. Bosque apostou no mesmo trio ofensivo de 2008, recuando Xavi e Iniesta para a intermediária ofensiva e desenhando um ataque com Torres “fixo” e Fábregas e Navas intercalando-se nas pontas. Nada menos que cinco jogadores trocando passes no campo holandês! Era mesmo impossível segurar.
Este mesmo gol histórico de hoje lembra o não menos emblemático do Barcelona pela semifinal da Liga dos Campeões do ano passado, contra o Chelsea, em Stamford Bridge. A construção da jogada é idêntica, com o time catalão encurralando o londrino em seu próprio campo: o “fixo” Eto’o rola a bola para Messi que, justificando o papel de Fábregas na decisão da Copa, encontra Iniesta, livre de marcação, para fuzilar o gol inglês aos 83 minutos de partida. Tal qual o meia fez nesta tarde. Por isso, Iniesta foi “o cara” desta final!
A Espanha de Vicente del Bosque na prorrogação foi o atual Barcelona de Guardiola. A troca incessante de posições na intermediária ofensiva e a constante mobilidade da bola até achar a melhor probabilidade de acerto no gol tornam estas equipes quase insuperáveis, mesmo quando bem marcadas. Como firmou em sua apresentação como técnico do clube, substituindo o cracaço holandês Frank Rijkaard, Guardiola remeteu o futuro do Barcelona à mesma estrutura tática do começo da década de 90 (3-4-3), quando ainda atleta do técnico Cruyff. Aquele time dispunha do mesmo trio ofensivo – Stoichkov, Salinas e Laudrup. A diferença esta no meio, formado por um losango, diferente do 4-4-2 campeão mundial desta Copa. Guardiola era quase um “líbero”, protegendo os três zagueiros quando atacados, cobrindo as descidas alternadas dos laterais e, pela apurada técnica, distribuindo com competência a saída de bola para os meias. Esta, portanto, ideologia esfuziante de jogo da campeã seleção espanhola encontra ecos naquele “longínquo” Barcelona de 90, espelho para o atual técnico catalão. Porém a chave está na Holanda. Não a pragmática de Heitinga, Mathijsen e De Jong. Mas a de Rinus Michels e Cruyff.
O Barcelona trouxe a cabeça e o artista daquele Ajax multicampeão europeu de 1971, 72 e 73. Como já tratei no texto “Futebol liberal” (01.07.10), o sêmen do futebol que revolucionaria a história do esporte na Copa de 74 estava no reflexo da mentalidade progressiva do cidadão holandês da época. Uma organização tática de cooperação mútua e ordenada, defensiva e ofensivamente. Implantando tal sistema (de jogo?) (de pensamento?), o Barcelona saiu de uma escassez de 13 anos e foi o campeão espanhol de 1974, revelando ao mundo o futebol genial de Cruyff e garantindo - apenas um mês antes – o cargo de técnico da seleção para Rinus Michels. Graças àquele Barcelona, temos hoje o marco do “Carrossel holandês”, da “Laranja Mecânica”. E, para ser justo, se hoje a Catalunha está mais para a Holanda do que para a Espanha, é por inteira responsabilidade de Cruyff e Michels. O futebol agradece.
Assim, “De volta para o futuro”, a Espanha campeã do mundo de 2010 surgiu há 37 anos, quando lá desembarcaram estes maravilhosos holandeses. Por isso, nacionalidades à parte, ouso dizer: a Holanda de Cruyff é campeã!
PS – A foto (Falcão-82) de Iniesta comemorando o histórico gol traz o seguinte texto grafado na camisa: “Dani Jarque sempre conosco”. Dani morreu de parada cardíaca no ano passado, enquanto falava com a noiva pelo telefone. Capitão do Espanyol, rival do Barcelona na Catalunha, teve seu justo reconhecimento num momento crucial da história esportiva de seu país.
A poesia ainda existe!

Nenhum comentário:

Postar um comentário