sexta-feira, 22 de abril de 2011

"Futebol é guerra!" (E se joga mesmo com os pés?)



A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana.
Nelson Rodrigues


Ontem, quem folheasse o Olé!, o maior jornal de esportes da Argentina, encontraria duas páginas inteiras dedicadas “à batalha de Buenos Aires”, em referência à pancadaria pós-eliminação do Argentinos Juniors e à desclassificação, diante do Fluminense, para a próxima fase da Taça Libertadores da América. Por aqui, os tricolores se deleitavam com a manchete do periódico esportivo Lance!, em sua versão carioca: “Épico! Guerreiros do Flu arrancam vaga heroica na Argentina!”. Nos dois exemplares, envoltos à dramaticidade do jogo decisivo e do “quebra pau” promovido por jogadores e seguranças dos clubes, a constatação de que aquele instante monopolizou a disputa entre as equipes numa “batalha” entre “guerreiros” que valeu uma vitória “heroica” dos brasileiros. Documentados por estes e outros noticiários, o que restará do “épico” confronto entre Argentinos Juniors e Fluminense será a constatação maior de um confronto travado entre gladiadores numa acanhada arena portenha em relação à partida disputada em si. Em suma: é futebol ou é guerra?
Melhor dizendo, retomando o título do artigo: futebol é guerra. Uma guerra simbólica, como aponta Hilário Franco Jr. (1), e/ou de palavras, como veremos a seguir.
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Football se joga mesmo com os pés? Ao “pé da letra”, não. Associa-se o termo ‘futebol’ à raiz inglesa [foot] + [ball], ou seja, pé e bola ou pé na bola. Portanto, seria o esporte praticado com a bola controlada e disputada pelos pés, mas a relação não é tão simples assim. Na verdade, a nomenclatura football se refere a qualquer atividade esportiva que se executa a pé – “e não sobre cavalos, como vários esportes praticados pela aristocracia europeia ao longo dos séculos.”(2) Deste modo, contrapondo-se à britânica prática fidalga de exercícios sobre cavalos, como o polo (hóquei sobre grama), hipismo, equitação ou enduro equestre, o football consolidou-se na terminologia esportiva com o uso dos pés no chão, como, por exemplo, o rúgbi e seu “descendente”, o futebol americano. Assim, é fácil a dedução de que, mesmo praticado com as mãos, o football nos Estados Unidos ainda revela a raiz semântica inglesa.
Com as primeiras tentativas de uniformização das regras do “nosso” futebol, a partir de 1848, a Inglaterra passou a distinguir o football “com os pés” e “com as mãos”, batizando este último como rugby em referência à Rugby School, tradicional reduto de praticantes desta modalidade. Anos mais tarde, em 26 de outubro de 1863, na Freemason’s Tavern, centro de Londres, surge o Football Association, agremiação destinada à normatização das regras e à organização dos primeiros torneios futebolísticos. Da “associação”, como era conhecido este comitê, derivou-se a palavra “as[soc]iation” para soccer. Em países ex-colônias britânicas, como Estados Unidos, África do Sul e Austrália, chama-se assim o jogo de futebol, diferenciando-se das ramificações do football, como o rúgbi.
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É interessante notar que o mesmo football inglês do século XIX é berço para modalidades tão distintas, como o rúgbi e o futebol americano ou o soccer. Mas não menos curiosa a relação de “forças” ideológicas que se aplicam em cada prática esportiva. E por isso, o mesmo futebol, não importando a dualidade ramificada posteriormente, reserva em sua semântica a ação de superar o inimigo por meio da força, seja ela técnica, tática, mas, essencialmente, militar.
Uma partida de futebol pode ser “disputa”, “embate”, “peleja”, “confronto”, “duelo” etc., denominações recheadas de conotações bélicas. A medição de forças se dá no campo, em terreno extenso e plano, porém, acima de tudo, na síntese de uma arena de guerra. Wisnik (3) sugere que a nomenclatura “campo” e “luta” se encontram na mesma raiz alemã Kampf, ou ainda nas derivações camp[eão] (lutador) e camp[eonato] (batalha). Assim, estabelecido o espaço de luta, passemos à demarcação do perímetro. No “Manifesto do Movimento ‘Morte ao Futebol Moderno’” (17.03.2010), tratei da conjuntura simbólica que move um campo de futebol. Transcrevo a passagem:



“Como já se afirmou em tempos idos, o quadrilátero que abriga uma peleja futebolística nada mais é que a metáfora da condição humana, encarcerados que somos diante dos limites de sobrevivência impostos a cada um de nós. É também o espaço demarcado da existência. A medida retangular é na verdade a junção de dois quadrados que acolhem duas potências opostas, ou seja, ying/yang ou Apolo/Dionísio. Forças motoras que nutrem nossas decisões. A união destes opostos se dá pelo grande círculo central, o símbolo da perfeição e da ideia de totalidade.”


Já a definição espacial do futebol americano é esquadrinhada metricamente por traços que demarcam as jardas, como a cartografia do mapa norte-americano ou a conquista territorial por meio de estradas de ferro que cortam o deserto estadunidense. Aliás, este domínio de territórios - mote do football ianque - pode representar a devoção da sociedade norte-americana em desempenhos e resultados “visíveis”. Não é por acaso a insatisfação pública com o governo atual quando Barack Obama sugere cortes orçamentários de gastos públicos para artefatos belicistas.
As estratégias de posicionamento numa partida de futebol ( rúgbi, futebol americano ou soccer) também definem a função a ser desempenhada por cada praticante no campo de batalha, embora o soccer permita rupturas na operacionalidade do esquema tático através de lances improvisados que enganam e desestruturam a organização do oponente. Chico Buarque, em artigo para o Estado de São Paulo (21.06.98), ao assistir em Paris a uma pelada entre meninos europeus e filhos de imigrantes, revela que os “ricos” tendem a se comportar como os “donos do campo”, privilegiando o controle do jogo por meio da ocupação estratégica no terreno, o toque de bola previamente estabelecido e a marcação ordenada no adversário; já os “pobres” tendem ao controle da bola, às peripécias individuais e ao “desapego” de organização sistemática campal em prol do drible curto e rasteiro em direção à meta contrária. Neste sentido, pode-se cotejar tal dualidade de divisões sócio-culturais em modalidades esportivas e o desempenho, salvas raras exceções, de determinados “grupos”. Para as camadas favorecidas ou dominantes, obtêm-se melhor atuação em práticas esportivas que notabilizam a funcionalidade estratégica ou coletiva, como o rúgbi, o tênis, o vôlei e a natação; em outras, quando a modalidade admite que o improviso surpreenda o inimigo, em casos como o soccer, o basquete, e o boxe, o recurso do drible ou da finta equipara as “desigualdades” de classes através do domínio e da habilidade individual na execução do exercício.



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Este texto ainda continua...

Humildade e dribles

Por Ed Limas


Tanto Sócrates ( o grego filosofal ) quanto Jesus ( o Cristo ) não deixaram nada escrito, porém mudaram o mundo, ambos são exemplos de sábios humildes!
Sócrates fingia que nada sabia, artificío de um gênio para convidar seus discípulos ao conhecimento, Jesus pregava a humildade e ousou dar a outra face.
A humildade é sublime, ser humilde é zombar da arrogância.
A arte é a beleza elevada ao Olimpo, encontramos arte no futebol, em suas mais variadas formas, seja no lançamento de Zidane, no gol de Romário ou no calcanhar de Sócrates ( o corinthiano ).
Sou um amante das artes, dias atrás assiste ao filme "Cisne Negro" do diretor americano Darren Aronofsky (genial ), estou lendo 2666 do escritor chileno Roberto Bolaño ( muito bom ) e vi os dribles de Valdivia ( craque chileno do Palmeiras ) no jogo Palmeiras versus Santo André desta última quinta ( 21/04/2011 ). Sinceramente os dribles de Valdivia são belos, mas o player oriundo da terra dos mineiros heróicos ( nada a ver com Minas Gerais ) por vezes flerta com a arrogância.
O Santo André foi rebaixado no Paulistão, estava praticamente eliminado da Copa do Brasil ( naquele momento o Palestra vencia por 1 a 0 ) e o mago insistia em tirar onda dos atletas desta agremiação, sou visceralmente a favor da arte do drible, mas chutar cachorro morto...
Me parece que Valdivia não foi sábio, mas exigir sabedoria sócratica deste craque talvez seja demais.
Será que estou ficando careta?? criticar a arte em detrimento da suposta humildade???

"Só sei que nada sei"
Sócrates