terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Perguntar não ofende...

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O papa Bento 16 condenou os perfis "artificiais" dos usuários da internet. Como perguntar não ofende, então Pedro usava perfil "fake" ao se declarar "não-apóstolo" de Jesus aos romanos?

sábado, 22 de janeiro de 2011

Aquele Andar

Por Ed Limas


Quem me derá ser o vento que toca a face daquela menina, aquela menina mulher que provoca sem querer, que me faz sonhar sem perceber.
Ela desfila por entre pessoas, calçadas lotadas, ruas que se encontram e provocam congestionamento de gente, soberana caminha sem rumo de loja em loja, não é Oscar Freire, muito menos Daslu, o comércio é popular, sigo o seu andar.
Não sei seu nome, mas posso inventar... será Simone, Michelle ou até mesmo Dagmar ( Dagmar é pra rimar ), sigo seu rumo, mas é estranho seguir alguém assim, pois hoje em dia seguir é coisa de "twiteiro".
Entro na padaria, aquela imagem se faz passado, mas um passado presente, peço uma cerveja, não importa a marca, nem mesmo se esta gelada, me ponho a pensar naquele andar...
Beleza fugidia, beleza que inebria, me sinto piegas, mas não sou piegas, sou APRECIADOR, sou rock n roll, uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor ( alguém já disse isso ).
Acho que nunca mais verei aquele imagem... aquele andar...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O drible barroco de Neymar

por Luciano Melo
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De todo o espólio nelsonrodriguiano, a crônica “Garrincha, passarinho apedrejado”, publicada em 23 de junho de 1962, na extinta revista carioca Fatos & Fotos, consolidou-se num dos mais lapidares exemplos de perfeição criativa que o mestre atingiu ao tratar de futebol. Apenas para efeito de contextualização, já que para mim basta a maestria alcançada por Nelson Rodrigues ao expor, em diminuto texto, elementos sociais e antropológicos da identidade brasileira, o escrito trata da semifinal Brasil 4 x 2 Chile, pela Copa do Mundo de 1962. Com a bondade angelical de Mané, um ser de tamanha delicadeza no trato com a bola e com a vida no qual, segundo Nelson Rodrigues, quem se aproximava dele tinha a vontade de lhe oferecer alpiste na mão.
Brilhante analogia, Nelson.
Daí seu espanto na expulsão de Garrinha ao revidar um soco do adversário no final da partida. Mané seria impossível de praticar tal agressão. Respondia aos “joões” fazendo-os patinar diante de sua poesia escrita “aos pés”, como no bailado flutuante de Fred Astaire ou na hipnotizante troca de pernas de Muhammad Ali. Mas a principal indignação – e mote para a brilhante crônica – estava na saída de Garrincha do campo, ao ser alvejado na cabeça por uma pedrada vinda da arquibancada. Tolos e ingratos chilenos, retribuindo assim tamanho espetáculo oferecido por um trapezista de pernas tortas, um gênio incompreendido por ele próprio, um pássaro que vê na graça de seu ofício apenas o seu ‘modus vivendi': voar.
Transcrevo o final da crônica:
“Apedrejaram Garrincha e vencemos.
Eis o mistério do escrete e do Brasil. O time ou o país que tem um Mané é imbatível. Hoje, sabemos que o problema de cada um de nós é ser ou não ser Garrincha. Deslumbrante país seria este, maior que a Rússia, maior que os Estados Unidos, se fossemos 75 milhões de Garrinchas.”
Esta é a síntese antropológica da identidade do país pelo traço de Nelson Rodrigues. Não a ingenuidade tola, demagógica e hipócrita, como tão bem assinalou em seu teatro invasivo. Mas a pureza de um pássaro que responde aos dissabores nacionais com a destreza de ser alvejado por pedras e manter a dignidade do ofício inalterada - não nos esqueçamos que quatro dias após o incidente, Garrincha e o escrete canarinho seriam bicampeões mundiais.
Salve a rasa observação das mazelas sociais inserida numa crônica futebolística! Quem há de dizer que Nelson não tinha razão? Se não cabe a investigações acadêmicas da sociologia tupiniquim, ao menos serve para o pássaro Mané.
A mim, basta.
Como basta o debute de Neymar em 2011.
Sem “comparar o incomparável”, horas após a histórica apresentação de Neymar contra o Paraguai, voltou à tona sua declaração de que o “estilo” de seu futebol se igualava ao de Garrincha, no repertório endiabrado de dribles e na conseqüente desmoralização dos adversários – os “joões” tão familiarizados ao Mané. Mesmo entendendo a excitação do público diante de uma raríssima pérola do futebol brasileiro ou uma descabida heresia de “comparar o incomparável”, como defendem os saudosistas, não há o que comparar entre Garrincha e Neymar. Ouvi desde criança meu pai afirmar que Pelé e Garrincha não jogavam futebol, mas algo que, não encontrando pares com quem disputar, era parecido com o nosso ‘jogo de bola’. Em outras palavras: faziam algo “similar” ao futebol. Primorosa definição.
Então, sem comparar “estilos” de jogo entre um e outro, como disse Neymar, me assanho a reafirmar que não há relações nos dois porque Neymar não é Garrincha (óbvio!), mas Garrincha também não é Neymar (?!).
O que equiparo aqui não é a desproporcional discussão “quem foi melhor?”, por razões cristalinas, como a de comparar um ex-atleta a outro ainda em atividade, ou pior: Mané, como Pelé, não “jogavam” futebol, logo, nada se compara a eles. Desculpe, respeitável leitor, no entanto aprendi a amar futebol por causa do meu velho, e não vou discordar dele aqui. Como afirmei, cresci com isso. Não há como ser de outra forma. Garrincha e Pelé são inquestionáveis. E incomparáveis.
Porém, o que esboço é confrontar características futebolísticas daquilo que é mais caro a Garrincha e Neymar: o drible. Tal qual Nelson Rodrigues atribui aos gracejos de Mané a delicadeza de uma raça - e a triste analogia a um passarinho apedrejado – recorro ao ‘anjo pornográfico’ para badular Neymar na mesma proporção “zoomorfizada”, ou seja, desumanizando o artista ao constituí-lo de “bicho” para, enfim, “antropomorfizá-lo”. Não farei como René Simões e denominá-lo de monstro, apesar do assombro que repercutiu sua atuação. Mas na busca de atribuir a seus dribles descomunais uma personalidade aos moldes rodriguianos, não encontro outra similaridade senão em Pégaso.
Pégaso – ou Pégasus -, o cavalo alado, surgiu do sangue da cabeça decepada de Medusa por Perseu. Como prole de Medusa correndo pelas veias, Pégaso herdou uma individualidade infernal, um animal praticamente indomável. Oferecido às musas por Minerva, é considerado o presente dos poetas e evocado, por exemplo, por Milton e Shakespeare.
É justamente neste corcel, dedicado às musas e, em conseqüência, aos poetas, que remeto ao controle e desafio que Neymar impõe durante uma partida. Uma das primeiras impressões que me causou ao vê-lo passar sem pedir licença pelos adversários foi a de quase flutuar pelo gramado com a bola nos pés. Não sei se pelo físico franzino, de pernas e braços esguios e ombros circunflexos, mas é hipnotizante como a jovem promessa parece transpor os adversários sem o mínimo esforço, abrindo as asas em vôos rasantes e certeiros, como o corpo alado de um Pégaso.
E o rodriguiano “pássaro” Mané, também não voa? Não, na acepção do termo. O pássaro Garrincha, para Nelson Rodrigues, encontra significado no voo do ofício de Mané em campo, a tradução de um ser angelical, incapaz de ofender ou agredir qualquer pessoa, seja ela adversário ou não. E por tamanha incompreensão humana, seu apedrejamento configura-se numa imagem martirizada, cristã. Nelson parece pedir desculpas ao gênio de pernas tortas pela intolerância do público chileno; que compreendesse o flagelo de ser prostrado em sua própria casa pelo escrete canarinho. É como se nas entrelinhas, Nelson deixasse transparecer: “Perdoe, Mané, eles não sabem o que fazem”.
Mais nelsonrodriguiano, impossível.
Já o futebol de Neymar é pagão (lembrou-se de Pagão, outro imortal jogador santista?). Evoca o mitológico Pégaso no controle subumano de caminhar sobre o ar sobrepujando-se a marcadores sedentos em surrá-lo, extinguir sua habilidade e magia por meio de empurrões, socos e pontapés. Impossível. Se o cristianizado Mané Garrincha, adequadamente chamado de o “anjo de pernas tortas”, impunha certa piedade a seus marcadores por tratá-los sem distinção de “joões”, Neymar é maquiavélico ao extremo: faz questão de impingir o desprezo e a humilhação em praça pública. Seu ritual de dança pré-ritmizada a cada gol é a ridicularização do oponente, tratando-o com tamanho desprezo ao tornar o gol assinalado fator secundário, apenas o leitmotiv do ritual frenético de seus passos. Como esquecer do “chapéu” em Chicão, do Corinthians, com o jogo paralisado? Ou da “paradinha” vexatória imposta a Rogério Ceni, do São Paulo? Ou do descontrole emocional ao final de uma partida, “jurando” um atleta do Ceará? Ou da descompostura hierárquica diante de seu técnico, Dorival Júnior? Tudo sob os holofotes do mundo, sem qualquer piedade cristã. Tal qual a fúria de Pégaso. Um “monstro”, segundo René Simões.
O paganismo de Neymar também se ostenta naquilo que a cristandade capitula como pecado mortal: a vaidade. O seu moicano estilizado, longe da representação de resistência punk em tempos idos, aproxima-se dos pequenos chifres e cabelos selvagens dos sátiros, divindades gregas que guardavam os bosques e os campos. Neymar sabe muito bem onde impõe sua arte pagã.
Se não bastasse a flutuação que desafia o sentido e a lógica dos mortais, por vezes Neymar faz desaparecer a bola sob seus pés. Repare no segundo gol deste último jogo: ele avança pela intermediária, acompanhado por dois marcadores paraguaios. Os adversários não oferecem combate, apenas se retraem. Neymar carrega a bola até invadir a área. Em milésimas frações de segundo, num lance de olhar repara em Henrique, livre na marca do pênalti, e no goleiro saindo para fechar o ângulo direito. Mas repare mesmo, leitor, com preciosa atenção, nesta micronésima fatia temporal, que a bola, com num passe de mágica, some! Ela retorna diante dos nossos olhos quando Neymar corta os dois zagueiros para a esquerda da defesa e suavemente desliza a bola à direita do goleiro – o famoso contrapé, no jargão futebolístico.
Em relação à cadência no drible, os ritmos de Garrinha e Neymar se opõem. A finta de Mané é cristalina, límpida, pura, observada a quilômetros de distância. Muitas vezes a bola fica imóvel no gramado e apenas o corpo de Garrincha vai de um lado para outro, obrigando os adversários às suas ordens de movimento, imantando-os. Em outros momentos, com o marcador à frente, dispara com a bola nos pés e freia com rispidez, impulsionando o antagonista em sentido contrário sem tocá-lo, valendo-se da gravidade de Newton. Tudo muito plástico, muito nítido. A bola sempre à vista, flamejante. O objeto da existência divina na placidez diante dos olhos, como a simbologia cristã no uso de seus artefatos ritualísticos: a hóstia, o cálice, a cruz.
Já Neymar, se há certa cristandade em seu futebol, é o craque barroco. Seu artifício requintado do tromp-l’oeil (engana-olho), técnica de escultores quinhentistas para figuras angelicais, atribuindo às peças uma espécie de tridimensionalidade, é o mesmo desafio que Rubens ou Rembrandt propunham em seus quadros, um ardor temperado ente claro-escuro que muito se assemelhava à visão dualista barroca, entre a observação antropocêntrica e a cósmica universal.
Neymar tenta se equilibrar neste conflito: ao desaparecer com a bola, seu drible desmorona o resquício moral do oponente, enganando-o aos olhos de todos. Isso parece ser honesto?, deve se perguntar a todo instante. Garrincha não saberia responder.
Neymar sabe.
O paganismo de seu futebol não o pune. Graças a Deus.