terça-feira, 30 de agosto de 2011

Morte e Vida Riquelme





Sempre há os que não deixam as cinzas de seus mortos se perderem na memória.



25 de abril de 2006.
Valentin Ivanov percebeu o cronômetro digital pulsando “22:38” em minúsculo néon.
Precisos 89 minutos de duração. Restam apenas 60 segundos.
O russo aproximou o apito de acrílico de embocadura látex à boca, equilibrando-o entre os trêmulos polegar e indicador e lembrou-se dos gramados forrados de neve na antiga União Soviética. Nos gélidos sonhos, via-se um artista de presença sombria, circunspecto em sua genialidade com a bola, prestes a decidir a sorte de milhares de entorpecidos pela beleza de seu ofício.
Admirava assim, a cinco metros de distância, nos olhos de seu alter ego, um moço magro de traços indígenas.
Um craque.
Por um instante, Valentin Ivanov, árbitro da inesquecível semifinal entre Villareal e Arsenal pela Liga dos Campeões da Europa 2005/06, na abrasadora noite de 25 de abril, laconicamente às 22 horas e 38 minutos, ao soprar o apito de acrílico, torceu como nunca para aquele índio esguio tornar o sonho de infância palpável, diante de milhões. Mas os olhos não enganavam.
O camisa 8 não reparava a bola. O objeto é o seu próprio espelho, magnetizando sua alma em poucos centímetros de circunferência. A respiração é profunda, quase impossível de alcançar o ar. A boca saliva mais que o natural. Tenta em vão umedecer os lábios ressecados de desespero. Mas ao ouvir o assobio do árbitro, não há mais nada o que fazer a não ser cumprir a obrigação de seu ofício – mesmo que para Román o futebol fosse tudo. Menos um trabalho.




***
Depois daquela fatídica e escaldante noite de verão no El Madrigal, Román nunca mais atuou como de costume. Durante a temporada de 2005/06, Riquelme levou o inexpressivo clube espanhol a voos inimagináveis. Na final do torneio continental, toparia com o poderoso Barcelona - e com Ronaldinho, no primor das formas física e técnica. Mas ninguém no mundo jogava como o argentino em 2006. Se tudo corresse como o esperado, depois de um ano espetacular, Román chegaria à Copa da Alemanha como o melhor jogador da atualidade. O Gaúcho alternava lampejos extraordinários e medíocres – pela primeira vez, ouviam-se vaias no Camp Nou para o ex-melhor do mundo. Zidane, que assombrou na Alemanha e levaria nas costas a seleção francesa, já tinha até se aposentado do futebol. Lionel Messi era ainda uma belíssima promessa - e reserva de Riquelme no selecionado argentino. Só para lembrar, naquele ano o prêmio individual mais cobiçado do futebol ficou para o esforçado zagueiro italiano Fabio Cannavaro.
Nas três noites subsequentes à de 25 de abril, Riquelme passou em claro. Só não abandonou Valenciana e retornou à natal Buenos Aires pois ainda restava a temporada espanhola e a Copa do Mundo batia à porta em poucos meses. Porém, nunca mais foi mesmo. Dali em diante, era a morte anunciada de seu futebol. Nada mais dramático e peculiar à personalidade de um argentino.
Dizem que uma das marcas que distinguem um brasileiro de um argentino está no modo de ambos preservarem uma amizade. O tupiniquim, repousando a mão sobre o ombro companheiro, ressalta: “Pode contar comigo para toda a vida”, ao passo que o portenho lamenta: “Estou contigo até a morte”. Cláudio R. Negrete, jornalista e escritor argentino, define esta funesta filosofia portenha como “necromania”, ou seja, o hábito de cultuar com excessos e idolatria os mortos na Argentina. Contextualizando o autor de “Necromanía, História de una Pasión Argentina”, é difícil enterrar o casal Perón, San Martín, os soldados mortos na Guerra das Malvinas, Gardel (“que cada dia canta melhor”), Borges e, atualmente, Néstor Kirchner. Há sempre avós e mães da Praça de Maio ou “Cristinas” que não deixam as cinzas de seus mortos se perderem na memória.




***



Desde a “morte” de Riquelme para o futebol, um perfil de jogador parece ter sucumbido também. Román foi a última espécie “bem-sucedida” de uma estirpe de craque cerebral, que impõe sua habilidade por meio da cadência reflexiva, de uma aparente lentidão de movimentos. A Argentina, maior berço de meio-campistas com tais características, nomeia-os de enganche, o “gancho”, aqueles com a responsabilidade de “enganchar” os sistemas defensivo e ofensivo da equipe, atuando na faixa central dos três terços do campo, de uma intermediária à outra. Por não terem a obrigação de marcar ou ocupar espaços quando atacados e agredir com a posse de bola, parecem fadados ao desprezo dos esquemas táticos atuais. Riquelme foi o último sobrevivente.
Há tempos, Tostão revela não se conformar com tanto buchicho que se faz com a atuação dos centro-campistas atuais. A crítica especializada parece não saber ao certo definir as posições de cada um dos ocupantes da “meia cancha”. Define a todo instante como meias de ligação os ofensivos “pontas de lança” ou os armadores que se alternam entre defesa e ataque. Em nenhum destes casos, se aproximam do autêntico “gancho”, como é o caso de Riquelme.
Por envergarem a camisa 10, há muito se desdobram elogios à genialidade de Rivellino, Zico, Maradona e Messi, para ficar em alguns. Segundo o colunista, apenas “Riva” era um genuíno meia-armador. Os demais, como Rivaldo e Kaká, que retornam à intermediária para armar, se aproximam da área e marcam muitos gols, são muito mais atacantes que armadores. Por avançarem muitas vezes na diagonal adversária, e para não ocuparem o espaço do centroavante fixo, estes jogadores eram lançados pelas extremidades do campo, como “pontas de lança”.
Raramente o “10” servia para armar. Aos meias armadores, distribuía-se a camisa 8. Didi, Gérson, Sócrates, Verón, Iniesta ou mesmo Xavi ocupam a intermediária defensiva, marcando o adversário e iniciando as jogadas ofensivas. Exceto o atual Barcelona, pela peculiaridade de seu sistema tático, os demais times, se dispõem de atletas com demais características, os posicionam à frente da linha da intermediária defensiva, como armadores ofensivos. Assim, preferem o sacrifício de uma saída de bola qualificada.
Maradona queria Riquelme avançado na África do Sul, em 2010, espremido entre Messi, Tevez e Higuaín. Sem a bola, deveria recompor a linha de intermediária com Mascherano e Cambiasso. Ou seja, não haveria espaço para o desenvolvimento de seu jogo.
Não seria o cerebral Román. Pediu dispensa da seleção. Foi chamado de traidor.
Curiosa a relação destes raros “ganchos” com a própria personalidade. Não raras as vezes são sujeitos introvertidos e absortos durante a partida. Cônscios da preciosidade de cada jogada, executam um simples passo com a delicadeza e a maestria de uma bailarina picando o palco com a ponta dos pés. Desta especial genealogia estica-se uma ramificação reservada de jogadores, como Alberto Schiaffino, Ademir da Guia, Zinédine Zidane e, claro, Román Riquelme.
O “10” passou o primeiro semestre de 2007 em sua casa, La Bombonera, na estreita Brandsen, 805, para conquistar a Copa Libertadores da América com o Boca Juniors. Há quem jure que a arquitetura midiática de repatriá-lo por este período à La Boca, bairro portuário ao leste de Buenos Aires, esteve mais vinculada a manobras eleitorais de Mauricio Macri, então presidente do Boca Juniors e candidato à prefeitura da cidade portenha, que ao título do torneio continental. Em meio a uma confraria de bons jogadores, como Palácio, Ledesma, Morel Rodríguez, Banega, Cardozo e Martín Palermo, Román foi o cérebro e a alma da equipe. Nunca se vira sua técnica tão constante e apurada como naquele campeonato, liderando “apenas” com genialidade artística. O desempenho na última partida contra o Grêmio, no Olímpico, em 20 de junho, é considerado por muitos como a maior atuação individual de um jogador em finais do torneio sul-americano. Os dois gols do jogo saíram de seus pés. Como principal “cabo eleitoral” do presidente do clube, desfilando em carro aberto por três ininterruptos dias nas ruas da cidade, Mauricio Macri foi eleito, em 24 junho, prefeito de Buenos Aires. Sempre há os que não deixam as cinzas de seus mortos se perderem na memória.






***
Em 29 de julho deste ano, Alejandro Sabella, o novo técnico da seleção argentina, fez sua primeira coletiva como o comandante da esquadra albiceleste, equilibrando uma bigorna nos ombros pós-trauma Copa América: “A mágica tem de ressurgir”, garimpou aqui e ali, aferroando a “ordem do dia” nas mais variadas conversas com a imprensa.
E “a mágica ressurgiu” no dia 18 de agosto. Riquelme está de volta à seleção da Argentina, na aguardada convocação de Sabella para os dois jogos do selecionado contra o Brasil, na reedição dos confrontos pela Copa Rocca – agora com a horripilante alcunha de “Copa Dr. Nicolás Leoz”. Obedecendo a determinados critérios técnicos individuais da lista dos convocados de Sabella, a imprensa esportiva argentina arrisca o seguinte escrete titular para as partidas: Agustín Orión (Boca); Pillud (Racing), Sebá Domínguez (Vélez), Desábato (Estudiantes) e Papa (Vélez); Cristian Chávez (Boca), Verón (Estudiantes), Hector Canteros (Vélez) e Riquelme (Boca); Boselli (Estudiantes) e Juan Manuel Martínez (Vélez).
Na “prancheta”, a distribuição tática é muito idêntica ao Boca-2007. A meia “cancha” desenha-se num losango, com Cristian Chávez fixo na proteção da defesa e Canteros (esquerda) e Véron (direita) avançando e recuando verticalmente entre as intermediárias. Já o ataque pode atuar como um compasso, com a “ponta seca” Boselli centralizado na defesa adversária e J. M. “Orteguita” Martínez atuando pelas extremidades do campo.
Mas tudo isso é nada sem a mágica do enganche. Como se diz por lá, "sempre há os que não deixam as cinzas de seus mortos se perderem na memória".


por Luciano Melo









domingo, 21 de agosto de 2011

Sócrates Brasileiro

Ed Limas

De Belém do Pará veio este Doutor, fixou-se em Ribeirão, terra de cerveja e sol, por um momento quando jovem se dizia santista, mas o tempo passou e se tornou jogador.
Jogava futebol e estudava medicina, começou no Botafogo e venho mostrar que era um craque e assinava suas jogadas até de calcanhar.
Tomava sua gelada, lia Karl Marx, dava suas tragadas e ouvia Secos e Molhados, não era atleta, era craque, não era prosa, era verso.
Fã de Glauber Rocha e Pelé, bom de copo não podia ver mulher!!!
Vicente Mateus o contratou, no timão se encontrou, mega campeão e um democrata. Comemorava seus gols tal qual os Panteras Negras, um socialista no time do povo!!
Em 82 foi capitão, gênio da raça, a voz de Telê em campo... A maior seleção que o mundo já viu não foi campeã, mas o Doutor e seus amigos mostraram que o futebol pode ser arte.
Doutor na vida e na bola, pelas diretas lutou, no corinthians marcou, grande idolo do povo, a cara do timão, ruga na cara, cigarro na boca, cerveja no copo e sonhos na cabeça.
Sócrates se transformou em CORINTHIANO!!!!
Elton John, o bardo britânico afirmou:" Melhor do que Sócrates em 82 ninguém jogou"!

FORÇA DR. SÓCRATES
Estamos com você!!!