sábado, 19 de março de 2011

Seu Cipriano saudosista

Por Ed Limas


Seu Cipriano é um nostalgico por essência, ele estava lá quando Garrincha fez seu último gol como profissional em uma peleja amistosa realizada em Ribeirão Preto, onde o Comercial e o Olaria se degladiaram em 1972. Garrincha estava com 38 anos e vários quilos a mais, mas deixou seu golzinho de pênalti. Envergando a camisa do Olaria, Garrincha se despediu do futebol. Seu Cipriano aumentou as doses de cachaça ( o combustível da alma ) quando o gênio parou de encantar o mundo.
Cipriano é santista, mas dizia que no fundo todo mundo é Botafogo!
Nossa herói vai ficando mais triste a cada despedida de algum gênio, ficou assim quando Zico e Platini pararam, ficou assim quando Ronaldo parou...
Bebendo e sonhando com o passado, assim é nosso herói da periferia.

Ps. Que o Ganso não pare de jogar nunca... O fígado do Seu Cipriano não aguenta mais...

segunda-feira, 7 de março de 2011

Bruna Surfistinha e o cinema artificial




por Luciano Melo

Será difícil para o cinema brasileiro se desvencilhar das amarras de Tropa de Elite 2. Os fuzis apontados por Capitão Nascimento e sua trupe para a classe média pseudomoralista deste país refletem olhos fumegantes à espera de um contentamento efêmero e instantâneo, entre a fugacidade da reflexão social (ou moral?) e uma breve mea culpa pelo voyeurismo de tragédias anunciadas por vidas errantes, que pagam um preço “altíssimo” por escolhas mal sucedidas. Escolhas estas que apoiam a parede da narrativa até o momento delas mesmas desmoronarem, passando de escoras a tijolos frágeis de muralha derretida, incomodando-nos na poltrona almofadada da sala de projeção. O xis da questão é que a redenção final a qual se acostumou o público não é necessariamente o que ocorre em Bruna Surfistinha, filme debute de Marcus Baldini, o que talvez provoque certo desconforto ao final da exibição – menos pelo final desafiador que pelas arestas mal aparadas ao longo da película.

Mas deixemos claro que Baldini mais acerta do que erra. Roteirizou a várias mãos O Doce Veneno do Escorpião, da “cinderela trash” (como o próprio diretor aventa) Bruna Surfistinha, ou simplesmente Raquel Pacheco, a menina adotada em berço de ouro que largou a casa bem montada, a escola de elite paulistana e o silêncio do pai para provar (a si mesma?) (a todos?) de que era possível sobreviver às próprias custas – mesmo por alternativas pouco ortodoxas. Durante todo o tempo, o filme persegue as razões destas escolhas, como se a protagonista tentasse explicar, perante a moralidade aguçada do espectador, que a condenação por se prostituir não é justa: não há culpados ou vítimas – apenas escolhas, que nem sempre entendemos porque tomamos. O que para muitos diretores seria um prato cheio, Baldini faz de Bruna sua cinderela “às avessas”, sem nenhuma martirização ou o prosaico “refém de uma vida”: apenas a expõe pelo coloquialismo do deslumbramento, a aceitação de ser a “menina mais famosa do colégio ou sacar que os relatos num blog aglutinariam fama e dinheiro. Nada mais prosaico para uma menina de dezoito anos – mas não pelo caminho traçado por Surfistinha.

Daí resulte uma das derrapagens de Marcus Baldini. Como o mentor José Padilha, retoma a narrativa em “off” da protagonista para costurar o que ao leigo espectador tenha lhe escapado ou, como um coro edipiano, dar voz à consciência moralizadora. Em nenhum destes ou em outros casos, isso parece ter eficiência para Bruna Surfistinha. Se com muita boa vontade isso se explicava no piegas discurso “heroico-patriotico” de Nascimento, na personagem de Deborah Secco soa como aquela mea culpa do “não é isso que eu estou dizendo” ou “não foi isso que eu quis dizer”. Em outras palavras, fica o dito pelo não-dito. Tais reflexões freudianas poderiam ser, por exemplo, mais reveladoras em posts do blog. Por sinal, a “blogueira” Surfistinha foi mal explorada na película, restringindo-a apenas em mínimas cenas na frente da tela, em variações de caras e bocas, sem muito dizer o porquê. Se a equação “livro + roteiro = filme” teve seu embrião nas divagações numa tela de computador, isso passa à margem das ações no filme de Baldini, como, aliás, o fez tão bem David Fincher com a sua A Rede Social.

Mas se é para rezar na cartilha de Padilha da necessidade de “o” / ”a” protagonista, Baldini acerta o alvo na escalação de Deborah Secco para o papel. Embora esteja eqüidistante da menina Carol em “Confissões de Adolescente”, e por isso a fase “mocinha” de colegial seja um pouco forçada nos dias atuais, principalmente quando contracena com atores “da sua idade”, Deborah “sobra” como Surfistinha. Convence na cena de sua “primeira vez” profissional com o Huldson, interpretado por Cássio Gabus Mendes, um cliente bem-sucedido que não deixa claro se deseja ser amante ou pai de Bruna. Porém, um dos episódios mais comprometedores do filme, a cena do jantar de luxo do casal, Huldson recupera as joias da mãe de Bruna, roubadas por uma prostituta. Se não bastasse faltar as palavras para ela, Huldson emenda uma “pérola junguiana”: “Acho que você ainda não se encontrou dentro de si”, ao qual Surfistinha rebate “Se você me encontrar, você avisa?” É dose, não?

Já arrebatadora sequência na Love Story beira a perfeição. Baldini capta o espírito moulin rouge de Deborah, desde sua entrada triunfal até “perder” os sentidos nos passos de pole dance, a dança no poste, culminando com a “propina” ao policial no meio da Rua Augusta. É o único momento em que a atriz cede terreno a sua antagonista, a noite paulistana de casas e calçadas de prostituição. Mas é nesta relação intrínseca com a São Paulo das boates da Consolação aos becos da Cracolândia que Surfistinha sublima seu hiperego, como se a cidade existisse a seus pés. Baldini “divide” com “Carlão” Reichenback, Sganzerla e Ozualdo Candeias esta tomada de rara felicidade da cinematografia paulistana atual. E faz Deborah Secco se afeiçoar a Sandra Bréa no plano-sequência no interior do veículo, para depois “jogar-se” com o tronco para fora da janela. Bravo!

Estamos na metade do filme e, de agora em diante, Baldini perde a mão. Parece que falta pouco tempo para a “ascensão e queda” de Bruna Surfistinha, do atendimento prive no flat de luxo alugado à derrocada financeira pela cocaína. Tudo recheado por diálogos clichês e reflexões casuais. Tudo motivo para mais narração em “off”, como se quisesse amarrar tudo, embrulhar para presente e entregar para o espectador mais desatento. Desperdício de tempo e paciência.

Publicitário de profissão, Marcus Baldini sabe da “alma do negócio”. Meses antes à edição final de Bruna Surfistinha, o diretor enviou uma cópia pré-editada para Thom Yorke, vocalista do Radiohead. Se gostasse do que visse, pediria o arrasa-quarteirão Fake Plastic Trees na trilha sonora. Pedido aceito, mas parece enxertado “a fórceps”. Ou artificial.

Como a cena final, em que Deborah abre a porta para você, desafiando-o a entrar.

Você recusaria?


Her green plastic watering can

For her fake Chinese rubber plant

In the fake plastic earth

That she bought from a rubber man

In a town full of rubber plans

To get rid of itself


O seu regador verde de plástico

Para a sua falsa planta chinesa artificial

Na terra artificial de plástico

Que ela comprou a um homem de borracha

Numa cidade cheia de planos de borracha

Para se livrar de si mesma