sexta-feira, 11 de junho de 2010

Para quem Gardel torcerá?


por Luciano Melo
O maior cantor do tango argentino de todos os tempos... não nasceu na Argentina. Para falar a verdade, ninguém sabe, ou melhor, ninguém quer saber. Os registros discordam: há os que afirmam que Carlos Gardel nascera em Tacuarembó, Uruguai; outros juram que o tangueiro veio ao mundo em Toulouse, na França. Seja como for, o próprio Gardel saía com essa, quando perguntado sobre seu local de nascimento: “Nasci com dois anos e meio em Buenos Aires”.
E em dia de França x Uruguai debutando o calendário da Copa da África, fico a pensar para quem Gardel gastará parcas horas de sua eternidade, roendo as unhas em favor da suposta terra de seu berço? Não sei, mas um episódio pode elucidar.
Em solo francês, a América descobriu a Europa em 1924, durante as Olimpíadas de Paris. O time uruguaio foi o primeiro selecionado americano a cruzar o Atlântico e disputa uma peleja no Velho Continente. O primeiro jogo foi emblemático: a bandeira içada ao contrário, com o sol dourado de cabeça para baixo, despertou a fúria patriótica da celeste. A vítima foi a Iugoslávia, em impiedosos 7 a 0. O resultado final do torneio: Uruguai campeão olímpico de futebol. Os franceses nunca tinham visto um negro jogando futebol e Andrade, de estilo elegante, foi chamado pelo público francês de “Maravilha Negra”. Quatro anos depois, em 1928, Olimpíadas de Amsterdam, na Holanda. A máquina uruguaia destroça a Argentina na final – como faria dois anos depois, na primeira Copa do Mundo – e se torna bi-campeã olímpica. Estava eternizada a Celeste Olímpica.
Reza a lenda que na concentração argentina, num hotelzinho chinfrim do subúrbio de Amsterdam, o grande Carlos Gardel apresentou-se na noite anterior à final olímpica para saudar o “escrete” argentino, já campeão de favas contadas. Cantou tristemente Dandy, um tango rasgado que tratava das desventuras de um homem que, açoitado por uma mulher que não o quer mais, perambula e se arrasta pela vida, seguindo a sina de um derrotado. Coincidência? Dois anos depois, às vésperas da final da Copa contra o mesmo Uruguai, num hotelzinho chinfrim de Montevidéu, Carlos Gardel reaparece na concentração argentina para homenagear o selecionado. Adivinhe, caro leitor, cara leitora, qual canção Gardel declamou?
Em 34 e 38, as Copas do Mundo ficaram em solo europeu, na Itália e na França, respectivamente. O mundo estava sob o preâmbulo da fatídica Guerra Mundial e o Velho Continente dominado por regimes autoritários, como o nazismo na Alemanha de Hitler. A “ferro e fogo”, a Itália fascista de Mussolini venceu os dois torneios, sem a participação da celeste olímpica. Os franceses, mais preocupados no domínio de terras africanas, liderados pelo general Charles de Gaulle, “dividiram” a África em duas Franças: a islâmica, (Marrocos, Tunísia e Argélia); e a negra (Costa do Marfim, Senegal, Camarões etc.)
Em razão das invasões na África, quando a Copa do Mundo retornou ao berço da Marselhesa, em 98, os franceses conquistaram o mundo com uma série de “estrangeiros”: africanos, armênios, caribenhos e, claro, o maestro e genial argelino Zinédine Zidane.
Estrangeiros como o uruguaio Andrade, filho de escravos, descoberto pelos franceses em 1924 como “Maravilha Negra”. Coincidências à parte, França e Uruguai se enfrentam hoje em solo africano. Estarei de olho no jogo como um cantor de tango, sofrendo. E para quem Gardel torcerá?

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