quinta-feira, 15 de abril de 2010

Boxe



por Luciano Melo
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Comprei há alguns dias o 3° volume da excelente revista Serrote, publicação quadrimestral do Instituto Moreira Salles. Tentarei manter a coleção até onde der, pois os cadernos são impecáveis. Cada edição tem uma variedade suculenta de ensaios, espalhados por volta de duzentas e poucas páginas. Os assuntos se desdobram nos mais variados temas, sempre escritos na mais fina execução. Para se ter uma ideia, no número da revista em questão, Virginia Woolf escreve sobre pintura de um modo quase ficcional - em outros termos, literário. Redundante falar, mas o ensaio é um primor. Ela se debruça sobre um pintor inglês do início do século XIX, Walter Sickert, nome até então desconhecido para mim. É verdade que, no campo da pintura, comparar a Inglaterra com outras escolas, como Itália, Espanha, França ou H0landa, é, no mínimo, desconfortável. Mas referenciado por Woolf, o pintor inglês é de tal maneira esboçado que faria inveja a Rafael ou Rembrandt. E não para por aí a revista. Numa outra seção, intitulada pelo genérico Esportes, encontro dois textos primorosos: o primeiro, especulando a gênese da competição esportiva; o segundo, uma entrevista que aglutina boxe e jazz num mesmo exercício de leitura. Ah, os autores em questão: naquele, Roland Barthes; neste, quem dá as cartas é Julio Cortázar.
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Confesso que me interessei mais pela entrevista do Cortázar, realizada em 1983, seu último ano de vida. O escritor repara em sutilezas e nuances imperceptíveis para quem não desfruta de uma leitura criativa e delicada da vida. Há de tudo um pouco do universo no pugilismo e no jazz, defende o argentino, na mais tênue reflexão que só a transcrição de uma conversa pode oferecer.
Como no jazz, o pugilismo é a arte do "improviso ensaiado". É justamente na execução performática dos golpes, no apuro da técnica que escapa à compreensão do oponente que reside a beleza do boxe. Torna-se um jogo, ou melhor, um estudo de artimanhas, estratégias e contragolpes que revelam ao espectador, como ao apreciador de Coltrane e Ellington, a mais pura nobreza da arte. Seria este um confiável caminho para entendermos por que o boxe é chamado de a "nobre arte"?
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Este texto não acabou ainda. Hasta.

2 comentários:

  1. desculpa lucio mas tive que ilustrar esse texto

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  2. Velho, fico muito grato. Belíssima a ilustração.Vou usá-la novamente quando encerrar o texto. Sei lá, a imagem do Ali me fez pensar falar um pouco sobre seu bailado no ringue, movimento de pernas e golpes como solos de trompete, enfim... Ficou muito massa!

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